plural

PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

Mundo invertido
Juliana Petermann 
Professora universitária

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Uma receita de sucesso: a história de uma turma de amigos, uma pequena cidade, muito mistério e descobertas adolescentes. Trata-se de uma série de ficção-científica que tem seu suspense baseado na divisão do mundo em duas realidades: a realidade, normal, assim como a conhecemos, e uma realidade alternativa chamada de "mundo invertido". Na série Stranger Things, esse outro mundo é como se fosse uma dimensão paralela. É um espelhamento sombrio da realidade. O cenário é o mesmo da cidade fictícia de Hawkins, porém escuro, viscoso e com tentáculos por todos os lados. No universo ficcional, é um lugar de monstros.

BRASIL INVERTIDO

A série, que tem uma cara de aventura adolescente, e lembra o sucesso da década de 1980, "Os Goonies", é uma bonita obra do entretenimento e permite o estabelecimento de inúmeras metáforas com a nossa realidade. Na última semana, ao analisar os acontecimentos da vida política do Brasil, lembrei de Stranger Things. Tem coisas que acontecem no nosso país e que não parecem realidades possíveis. E, embora a série tenha ares singelos de uma aventura adolescente, no nosso caso, não se trata disso. O Brasil real já tem problemas sérios. E, para piorar, parece que temos uma realidade paralela que complica muito mais a nossa vida.

NÃO É FICÇÃO

Enquanto as universidades preocupam-se com a precarização, que gerou, por exemplo, o apagão no CNPq; no mundo invertido, o ministro da educação se manifesta dizendo que a universidade deveria ser para poucos e que já temos muitas pessoas com graduação no Brasil. Se, de um lado, temos graves problemas econômicos e sociais, com 14,7 milhões de pessoas desempregadas e 19 milhões de pessoas que sentem fome; do outro lado, os esforços do governo estão concentrados em difamar os sistemas de votação eletrônica, sem apresentar nenhum tipo de prova. 

No mundo real, a pandemia ainda preocupa, a vacinação precisa avançar, as variantes ameaçam; no mundo invertido, o governo promove uma parada militar que, embora tenha virado meme e piada, tem um preocupante caráter intimidatório. 

Na série, os acontecimentos do mundo invertido se refletem no mundo real. Pior no nosso caso. Temos o lado de cá governado a partir do mundo invertido, e, por isso, estamos submetidos a essa triste realidade paralela. Na série, o pequeno Will vaga pelo mundo invertido até ser resgatado. No nosso caso, ainda esperamos pelos próximos capítulos e por uma solução que possa nos salvar enquanto país.

Alunos
Eni Celidonio
Professora universitária

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Não sei vocês, professores como eu, mas sempre me emociono quando encontro ex-alunos. Mesmo aqueles que me detestavam mexem comigo. Eu sei que é muita pretensão, mas sempre que eu encontro um ex-aluno que está em uma escola, cursinho ou mesmo numa faculdade dando aula, eu penso que fui responsável por pelo menos um pedacinho do que ele é hoje.

Tem momentos em que eu penso como meu aluno me enxerga, como ele me vê e levo cada susto! Certa vez, encontrei uma aluna com a mãe dela na rua e ela virou-se para a mãe e disse: "Olha mãe, essa é aquela professora que eu falei pra senhora, a que tem o cabelo todo colorido"! Dias e dias preparando aula, e ela só lembra do meu cabelo! Aff... E tem aquela que me encontra e fala: "Oi profe das camisetas maravilhosas!", ou ainda "Amo todos os seus óculos!", sério, como é que a gente convive com isso? Minhas aulas, falem das minhas aulas, caramba!

Esperando para ser atendida na sala de espera do meu dentista, de repente, uma porta se abriu, a moça me olhou, sorriu e me disse: "Oi, profe! Que saudade!", e eu fiquei olhando, parada, sem entender quem era aquela que me cumprimentava... Aí ela, vendo o meu desconforto, tirou a máscara, sorriu e me disse: "Fui sua aluna na oitava série do Sant'Anna, a senhora não lembra de mim?" É claro que me lembrava, é claro que eu sabia quem era, assim como eu sei perfeitamente pilotar um avião! Gente, eu fui professora da criatura quando ela tinha 13 anos, são 15 anos depois, eu envelheci e ela mudou, era uma menina e agora era uma mulher, dentista, mãe de um menino de quatro anos! Como eu poderia reconhecer?

Mas nada se compara ao que me aconteceu domingo. O sol deu as caras, combinamos com um casal de amigos subir a serra e almoçar lá no Paradouro 158. A temperatura convidava, a gente não saía mais por causa dessa pandemia miserável, estávamos com duas doses da vacina, teríamos todos os cuidados possíveis, Pronto! Vamos subir e almoçar com amigos queridos e conhecer o Gianluca, o pequeno "Biker".

Chegamos com as boas vindas do clima, sentamos à mesa que tínhamos reservado, pensei em pedir um chopp, já que não era eu que ia dirigir, e eis que ouço um "Oi profe, que é que manda?" Olhei, atentamente, para o dono daquela voz e juro que fui reprovada no teste. No mínimo, a criatura estava enganada, eu realmente não sabia quem ele era. Aí veio o golpe de misericórdia: "A senhora não se lembra de mim? Eu sou o Emerson, fui seu aluno aqui no Neíta Ramos, em Itaara, lembra? Na quinta série..."

Gente do céu! Eu saí da escola em 1990! Ele queria eu me lembrasse de 30 anos atrás! Eu, que já nasci desmemoriada, que tenho esclerose desde os dois meses, que esquecia onde colocava a mamadeira! Socorro! Eu me lembrava de um Emerson, mas era de um menininho de cabelo bem curto, sorridente, sempre de bom humor, mas, na minha frente, estava um homem de mais de 40 anos! Fala sério! Mas até que fiquei feliz, porque se ele lembra de mim 30 anos depois, é porque eu não despenquei tanto assim, né não?

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